Uma história de glórias e quedas: o que significou para mim a biografia de Garrincha

Que saudades eu estava de escrever aqui! Minha falta deve-se ao novo emprego que arrumei, e por isso não escreverei com a mesma assiduidade. Contudo, sempre que tiver um tempo e algo bom a ser dito, postarei no Meu Patrão. Nossos patrões interiores nunca morrem, seguem guiando nossos gostos e desejos, e espalhá-los por aí na medida do bom senso é sempre válido. Nestes meses que fiquei desempregado, criei este blog e voltei a fazer cursos na minha área. A mudança na minha conta no Instagram para comercial, na categoria de escritor – para que pudesse patrocinar as divulgações dos posts aqui do blog -, fez com que eu passasse a receber muitas propagandas de cursos de escrita. Uma delas, o curso “Ciência e Arte da Biografia”, promovido pelo B_arco Centro Cultural e ministrado por um dos maiores biógrafos do Brasil: Ruy Castro.

Ruy é muito conhecido na imprensa brasileira, trabalhou nos principais veículos impressos do país e já se passa de 30 anos que migrou para a literatura – mesmo, durante todo esse tempo, mantendo colunas em jornais como a da Folha de S.Paulo, que segue até hoje. Entre seus diversos livros, todos gravitando-se pelo Rio de Janeiro, o seu local, estão as biografias de Carmen Miranda, Nelson Rodrigues e Garrincha – esta última, acabei de terminar de ler. Iniciei logo ao encerrar o curso com o Ruy, que aconteceu em quatro dias, pelo Zoom, onde o autor destrinchou seu processo para a criação das biografias. Trabalho mais que árduo e minucioso, detalhista ao extremo. Mas também, fascinante – o relato mais profundo possível sobre a vida, a obra, os erros, os acertos, os pecados, as alegrias e tristezas de seus biografados. A busca, segundo Ruy, é humanizar os personagens, que naturalmente já são colocados em um pedestal pelo que fizeram. É assim o livro “Estrela solitária: um brasileiro chamado Garrincha” (Companhia das Letras).

O livro vai do ápice de Manuel Francisco dos Santos – o Mané Garrincha -, principal nome dos dois primeiros títulos mundiais da seleção brasileira, ao seu fundo do poço, definhando-se pelo problema do alcoolismo que acabou matando-o. Daí surgiu o interesse de Ruy pela feitura da biografia: um homem adorado pelo Brasil, famoso, craque, ídolo, e que o álcool destruiu. O autor escreveu com conhecimento de causa, afinal também sofreu com o alcoolismo. A diferença em relação a Garrincha foi que uma internação bastou-lhe para abandonar de vez o álcool. Mas, como ele mesmo me escreveu, nada de triunfalismos. Eu, que caminho para dois anos sem beber, enviei a ele a crônica que escrevi para este blog contando um pouco dessa história, e assim ele me respondeu. Que leu, gostou, mas me disse para ter cuidado: “um ano sem beber não é nada, assim como 33 anos sem beber, como eu (Ruy) não é nada. Quem sabe, um dia, poderemos achar que ganhamos”, respondeu-me, gentilmente, por e-mail.

Por razões óbvias, quem gosta de futebol irá deliciar-se com as descrições dos inesquecíveis momentos de Garrincha em campo; seus dribles, humilhações que deixavam os marcadores no chão. Em especial o relato das Copas de 1958 e 1962, das quais Garrincha foi o grande nome – Pelé machucou-se logo no início da segunda. Sua história com o Botafogo, um clube gigante, que já foi uma sucursal da seleção brasileira, e que já não de hoje, vive sérias dificuldades. E também seus problemas de contrato, sua total inabilidade com questões financeiras. Sua maneira primária e até animalesca de ser, na qual a responsabilidade nunca constava como atributo. Fez dezenas de filhos, conhecidos e desconhecidos, traía quase como driblava – exceção feita ao relacionamento com a cantora Elza Soares, com quem ficou cerca de 15 anos e que foi o grande amor de sua vida. A biografia, como nos contou Ruy Castro no curso, foi também um renascimento para Elza, que segundo o autor, foi muito culpada após a morte de Garrincha, o que foi de monumental injustiça.

Uma história de vida, de dependência, de dom, de paixão, capítulos do Brasil. Assim são os livros de Ruy Castro, que nos teletransportam à época narrada. No caso de “Estrela Solitária”, a começar no interior do Rio de Janeiro, em Pau Grande – terra natal de Garrincha -, nos anos de 30 e 40. Passando à capital carioca a partir da década de 50, pelos governos de Juscelino Kubitschek, Jango, ditadura militar etc. Para mim, uma aula e inspiração para seguir escrevendo e lendo histórias riquíssimas. Já à vista, o livro “Chega de Saudade: a história e as histórias da Bossa Nova”, do mesmo autor e editora de “Estrela Solitária”. Fica a indicação de um livro altamente envolvente, emocionante e prestador de serviço à sociedade, colocando em evidência uma figura incrivelmente pública, com dom nato e tudo para ter uma ótima vida, e que se foi antes de completar 50 anos, depois de passar pelas piores crises que um alcoólatra pode enfrentar. Fica também minha reverência a este craque incrível, a “alegria do povo”, que eu somente lamento por não ter visto jogar.

Livro de Ruy Castro humaniza o gênio da bola e evidencia os problemas do alcoolismo, que vitimaram Garrincha

Publicado por Fábio Blanco

Jornalista, natural de Londrina (PR), que quer explorar o que o encanta no mundo através da escrita. Apaixonado por futebol, música e pelas belezas do cotidiano, em detrimento das suas regras e poderes. Humano, acima de tudo.

2 comentários em “Uma história de glórias e quedas: o que significou para mim a biografia de Garrincha

  1. Oi Fábio. Imagine o Garrincha jogando bola nos dias de hoje. Com certeza ganharia muitas bolas de ouro. Acredito que ele seria melhor assessorado e quem sabe lidaria melhor com o hábito de beber. Sempre vou admirar a sua coragem em abordar a sua relação com a bebida. No meu caso, que luto contra a obesidade gostaria que houvesse a possibilidade de nunca mais colocar uma colherada de comida na minha boca. Mas infelizmente não posso fazê-lo, sempre o inimigo estará ao meu lado à espreita… grande abraço

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    1. Caro Rui! Sempre bom receber seus comentários.
      Nossa, vira e mexe faço esse exercício! hehehe, mas também é difícil, já que não o vi jogar né?! Poderia ser melhor assessorado, mas aquele era difícil de domar, hein? Foi o que foi porque nasceu abençoado.
      Obrigado pelo elogio! Realmente, cada vez mais vejo que essa é uma vantagem, já que vou me distanciando devagar do vício pelo tempo sem uso. Sua luta realmente é dura e saiba que também te admiro muito! Quem conhece, sabe, né…
      Abraço! Assim que der vou lá no Aposentei Dessa Vida, estou curioso pra ler seu novo post!

      Curtido por 1 pessoa

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