Escrever para mim é hoje uma necessidade. Minha situação atual de estar sem emprego fixo, fazendo apenas trabalhos como freelancer, possibilita-me ter mais tempo, o que considero bom, mas que busco aproveitar da melhor forma. Estou longe à teoria de que vivemos para fazer, contudo há momentos que produzir é necessário. É prazeroso escrever – ou ter escrito, como disse o grande jornalista brasileiro, já falecido, Armando Nogueira: “não gosto de escrever, gosto de ter escrito”. Escrever também é trabalho árduo, como já vi Pedro Bial referir-se: “escrever é o mais prazeroso dos trabalhos, e o mais trabalhoso dos prazeres”.
Na crônica dessa semana de outro notável, Leandro Karnal, no Estadão, o historiador e professor comparava os escritores às donas de casa, ou donos de casa, qualquer gênero aqui vale. Equiparava as atividades de cozinhar e escrever, os ingredientes necessários, o gosto do público, a habilidade de se fazer com o que se tem à disposição; a execução pensada no receptor, ou não, os dias em que o resultado não sai como esperado. Escrever e cozinhar são compostos por muitos fatores, que misturados na panela ou no arquivo de Word tornam-se algo que cada um que o experimentar terá um veredito único e próprio.
Escrever para mim também é uma forma de amar, registrar o amor. Este sentimento que se vive e manifesta-se das mais diversas maneiras. O bom da escrita é ter tempo, a possibilidade de refletir mais profundamente acerca do que pretende ser dito, deixando o conteúdo ali registrado. Dizeres escritos contêm uma força muito grande, e na mesma proporção, carregam enorme responsabilidade. Pensei bem se escreveria sobre a nossa amada tia Célia, pessoa espetacular da minha família que faleceu na semana passada em decorrência de complicações da Covid-19, essa peste dos nossos tempos. Atrevo-me aqui porque, como disse, escrever para mim é hoje uma necessidade, de conviver com o que se passa em minha vida, e de que quem sabe, num fortuito sopro de empatia, possa tocar alguém e agregar-lhe algum valor à sua vida e coração.
Tia Célia casou-se com meu tio Dirceu e juntos tiveram quatro filhos: meus primos Luís Flávio, Lucas, Biju e Cássia. Conviveu poucos anos com seus netinhos desfilando a bondade, a generosidade e sua marcante presença que sempre foram sua marca registrada. Era serena e de um sorriso acalentador, cartão de visita para todas as horas. Tal pureza da tia Célia era soma, e não contraste, à sua percepção no ambiente. Era discreta, mas de uma presença profunda, fundamental. Eu adorava beijá-la e abraçá-la quando a via, porque saía sempre melhor do que chegava. Acho que essa está entre as maiores qualidades da tia Célia: elevar todos aqueles que se aproximavam dela, seja quem fosse.
Toda aquela fortaleza também era certamente sustentada pela fé, que ela, assim como outras mulheres e pessoas da família, tinha de sobra. A fé foi sempre o nosso bálsamo, em especial pelas perdas de nossos entes amados, e seguirá nos fortalecendo para seguir adiante. Fato é a tristeza pela perda de uma pessoa apaixonante, ainda jovem – completaria 70 anos em julho -, com os netos pequenos para aprenderem tanto, especialmente a serem ótimos seres humanos como a sua avó coruja. Mas, é como mais uma vez me disse sabiamente a minha mãe, enquanto eu manifestava tais desolações durante o velório: a coisa não deve estar fácil lá em cima. Papai do céu precisava das próprias bondades em pessoa, para ajudar a lidar com as dores da tragédia atual.
Sua missa de sétimo dia ocorreu no dia dos namorados e comigo lá estava o meu amor, Paulinha. Essa pandemia não deu chance para que se conhecessem, e lamento muito por isso. Quando amamos e consideramos muito duas pessoas, queremos promover este encontro. Mesmo assim, sei que a tia Célia está muito feliz por mim, como ficaria por qualquer pessoa neste mundo. Nessas horas vemos que o amor não tem fronteiras: ele está na vida, está na morte. No beijo e no abraço do dia dos namorados, na lágrima pela perda de alguém especial. Como a fé, o amor é ponte, que mesmo na ausência física, faz-nos sentir perto. Obrigado por tudo, tia Célia, não há palavras para descrevê-la. Sinto-me feliz de poder me equiparar a você: eu escrevendo, e você, como a cozinheira – mas principalmente a pessoa – maravilhosa que foi.

Oi Fábio, escrever é portar uma arma . Ela pode disparar flores , como nesse seu texto ou atingir o alvo com bala de verdade e fazer um grande estrago . O bom da escrita é que ela fica registrada no coração das pessoas e também num livro ou blog, bastando revisitar para sentir novamente a emoção. Que sua querida tia descanse em paz ! Abraço
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É isso aí, Rui. Tentamos sempre fazer o melhor de escrever, né?!
Obrigado pelos comentários de carinho.
Abração pra você!
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