O futebol, que se vangloria apaixonante, precisa de mais comoção pela vida

Às segundas-feiras à noite, geralmente assisto às mesas redondas de futebol Linha de Passe, da ESPN Brasil, e Bem Amigos, do SporTV, alternando entre um e outro. Do meio para o fim da edição de ontem do Bem Amigos, o time de comentaristas entrevistou Walter Feldman, secretário-geral da CBF, a Confederação Brasileira de Futebol. O assunto, a atuação da confederação no enfrentamento à pandemia, em momento em que o futebol nacional vive divisões entre os Estados. Cada um, de acordo com a situação em que se encontra, segue disputando ou mantém o campeonato estadual paralisado, como é o caso do Campeonato Paulista, o mais relevante em termos técnicos e financeiros do país.

Claramente a postura dos comentaristas – como tenho visto nos programas de debate, não só esportivos – ali presentes, era guiada pela necessidade de o futebol se manter paralisado, ao menos pelos próximos dias, juntando-se à missão coletiva de manter distanciamentos e assim controlar a pandemia que segue batendo trágicos recordes diários no Brasil. O secretário-geral da CBF, por sua vez, rebatia dizendo que, pelo contrário – para ele, o futebol não só podia continuar, como ajudaria no combate à doença, já que a CBF elaborou um protocolo altamente eficiente, que exige testes periódicos nos jogadores, e que sem a bola rolar no Brasil todo este trabalho não seria feito, podendo expor não somente os atletas mas familiares e também as pessoas da sociedade em geral.

Nada fora do esperado. Um secretário-geral que responde pela CBF, que vendo cruamente não tem o mínimo interesse que os campeonatos parem. Dali vêm as suas receitas, também as dos jogadores e de todos os profissionais do futebol, como lembrou Feldman. O futebol, como todos os setores da sociedade, vive seus dias de intenso debate de qual caminho tomar, contando também com inúmeras variáveis. A decisão da paralisação em São Paulo, inclusive – a pedido do Ministério Público e que o governador não contrariou – leva em consideração toda a dificuldade de controle do vírus, principalmente quando chega a pessoas do entorno dos atletas e também a torcedores, que não poucas vezes provocaram aglomerações neste período de pandemia em dias de jogos decisivos dos seus times.

Os jornalistas do SporTV – Cléber Machado, Maurício Noriega, Paulo Vinícius Coelho, Paulo César Vasconcellos e o ex-jogador Roque Júnior – levantavam todas as questões de gravidade da pandemia, e Feldman reconhecia, dizia que a prioridade era a vida das pessoas, mas insistia que o protocolo da CBF garantia segurança plena a toda a comunidade do futebol, e que por isso, os jogos deveriam continuar. Assistindo ao debate, fiquei me perguntando como colocar jogadores e profissionais do esporte juntos num mesmo lugar, mesmo que aberto e com as medidas possíveis de serem tomadas, pode ser mais eficaz no combate ao crescente número de casos do que mantê-los em distanciamento até que a situação melhore. A eloquência do secretário-geral e até o apoio em especialistas da área – que claro, tem controvérsias – não me convenceu, mesmo eu sentindo uma baita falta de ver meu time e outros jogarem.

Este também foi um dos argumentos de Feldman – que também é político e médico, pois é -, que trouxe ao debate o caráter lúdico do futebol, inegável não só por aqui, mas em todo o mundo. Seria mais fácil viver esses tensos dias de lastimáveis cenários com um futebolzinho pra assistir? Pra mim e um montão de gente, com certeza. Seria mais prudente? Pra mim – e acho que pra maioria das pessoas, apesar de o secretário da CBF se referir a isso como senso comum -, não. Na minha leiguice em relação ao tema, e da qual até os médicos não podem se dizer totalmente livres, creio que qualquer ação em prol da redução das vítimas é acatável. Afinal, o futebol é apenas um dos tantos segmentos da nossa sociedade. Imaginem só todos garantirem com extrema certeza a segurança dos seus protocolos. Estariam mentindo, certamente.

Estamos no meio da guerra, é questão de vida ou morte – literalmente. Neste momento, um “ah, mas” me soa negligente. Como eu quero o futebol de volta! Desde que, nem no “senso comum”, ele ameace a vida de todos nós. Afinal, assim é a Covid-19: pega um, pega geral, como diria o Tihuana. Contra este inimigo, todo o cuidado é pouco. Claro, é preciso manter a mente sã, mas com a consciência de estar fazendo todo o possível. Haverá problemas de calendário, contratos de jogadores, receitas dos clubes? Sim, complexos como se imagina. Apesar disso, meu senso comum segue me cutucando forte e dizendo que a Federação Paulista, para exemplificar, quer que a bola role quando, só na Capital, foram 1.209 mortes nas últimas 24 horas. O futebol, que se vangloria – e é – tão apaixonante, precisa ver além dos gramados e mover toda a sua emoção em prol da vida dos seus fãs e semelhantes.

Bola está sem rolar em alguns Estados, como São Paulo, onde prevalece o decreto do governo que proíbe as disputas esportivas

Publicado por Fábio Blanco

Jornalista, natural de Londrina (PR), que quer explorar o que o encanta no mundo através da escrita. Apaixonado por futebol, música e pelas belezas do cotidiano, em detrimento das suas regras e poderes. Humano, acima de tudo.

2 comentários em “O futebol, que se vangloria apaixonante, precisa de mais comoção pela vida

  1. Oi Fábio, totalmente de acordo ! Mesmo sem público, o futebol movimenta muita gente no seu entorno como jornalistas, repórteres, cinegrafistas, seguranças. Eu como você preferiria ter o Mineiro ou o Paulista para assistir, mas temos que lembrar que tempos de guerra é necessário sacrifício, infelizmente. Ótimo texto , você sempre muito claro e cirúrgico. Abraço

    Curtido por 1 pessoa

    1. Meu amigo Rui! Obrigado por sua leitura, comentário e gentileza de sempre!
      Pois é, o grande problema é que esse nosso inimigo não tem lugar, hora, circunstância… está por tudo, infelizmente.
      Todo cuidado é pouco, né?
      Valeu demais, garoto!
      Abração pra você!!

      Curtido por 1 pessoa

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